A maravilhosa ascensão do companheiro Bessias



Onde você estava no dia 16 de março de 2016? Lembro-me bem: era uma tarde ensolarada e eu estava escrevendo uma crônica aqui em casa, quando ouvi uma estranha conversa entre Dilma, a Mulher Sapiens, e seu padrinho político. Ali nascia oficialmente uma das figuras mais bizarras da nossa tragicomédia institucional: o Bessias.

Nasceu de uma ligação telefônica, não de uma conversa republicana, mas de um sussurro conspiratório. A então presidente, aflita com a iminência da prisão de seu mentor, profere a senha:

— Tô mandando o Bessias com o papel.

Era o termo de posse. Era o escudo. Era a tentativa de transformar um réu em ministro e o Palácio Presidencial em valhacouto.

— Só use em caso de necessidade — continuou Dilma — como quem entrega um salvo-conduto.

O país ouviu. Todo mundo ouviu. Alguns riram. Outros gritaram. Muitos entenderam que ali morria de vez o pudor republicano — e nascia um personagem.

Naquele dia, o Brasil não conheceu um jurista, conheceu um office-boy: um carteiro de ocasião com função sacramental, impedir a Justiça de alcançar seu destinatário.

Ele não deu entrevista. Não apareceu em vídeo. Não assinou nada. Mas entrou para a história com um apelido e uma frase:

— O Bessias tá indo.

O tempo passou. Pouco mais de nove anos depois, o país acorda com a notícia de que o portador virou destinatário.

Entre o “tá indo” e o “está nomeado”, houve apenas um verbo que explica tudo: recompensar.

Não se trata de mérito jurídico, embora diplomas sempre se encontrem para justificar o já decidido (o Brasil é o país dos diplomados). Trata-se de fidelidade ao Partido e coerência interna: quem leva um termo de posse em 2016 recebe um cargo vitalício em 2025.

A história não premiou um jurista: premiou um funcionário e fez dele guardião da Constituição. Bem, nós já sabemos como se comportam esses guardiões.

O office-boy virou oráculo. O estafeta virou estrela. O subalterno virou supremo.

Nada disso, porém, acontece por acaso. Não existe petista de graça. O Bessias não subiu ao altar da toga por flutuação mística: a ascensão do ex-carteiro da Dilma foi pavimentada com selos dos Correios.

Três diretorias da estatal — que acaba de anunciar um rombo recorde de 20 bilhões — foram oferecidas ao Senado em troca do sim sacramental. É a liturgia do balcão. Davi Alcolumbre, o sacerdote da sabatina, precisava ser acalmado. E não há calmante melhor do que uma estatal sangrando com vaga aberta.

A moeda de troca já foi o ouro. Hoje é o carteiro. O Bessias sobe ao Supremo como quem foi despachado por PAC expresso. Chamam isso de articulação política. Mas qualquer um que já entrou em repartição sabe o nome certo.

A instituição é suprema, mas o caminho até ela continua sendo o mesmo: o da velha escada do vale-tudo. Com selo, carimbo e código de rastreamento. Só assim para os Correios funcionarem!

Mas a trajetória do Bessias não parou no despacho de papéis ou nas diretorias trocadas por bênçãos senatoriais. Em 2023, ele fundou sua obra-prima: a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia — um nome que, como todo nome soviético, diz o contrário do que faz.

A função oficial é combater a desinformação. A função real é combater a dissidência.

Sob seu comando, o governo passou a decidir o que é verdade. Criou-se uma espécie de Procuradoria da Verdade, um ministério informal encarregado de proteger o bom nome das políticas públicas — e, se possível, calar os que ousam discordar delas.

Nada mais coerente. O mesmo funcionário que um dia correu para salvar seu chefe da Justiça hoje corre para censurar quem ousa questionar seus chefes. O Bessias virou o guardião do discurso autorizado. Da função de levar o papel, passou à missão de controlar a palavra.

Parabéns, companheiro Bessias! Já pode assinar o termo de posse — e a certidão de óbito da República.


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