Cerca de 70% dos casos de queimaduras acontecem em ambiente caseiro


Negligência, falta de prevenção e conscientização são fatores que inflamam ainda mais as estatísticas relativas aos acidentes com queimaduras no Brasil. Estima-se que ocorram cerca de um milhão desses incidentes por ano, resultando em uma média de 100 mil atendimentos hospitalares, 17 mil internações, e 2.500 mortes devido as lesões. A maior parte dos acidentes acontecem dentro de casa, fato que torna urgente iniciativas que informem as causas e os procedimentos a serem tomados. Os fogos das festas de junho também acendem o alerta.


O fato de 70% dos casos de queimaduras acontecerem em ambiente caseiro, torna óbvio que os maiores cuidados devam ser direcionados a esse alvo. O cirurgião Marco Almeida, membro da Sociedade Brasileira de Queimaduras/RN, também coordena o Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) do Hospital Walfredo Gurgel, e lida de perto com as consequencias da falta de medidas preventivas em relação às ocorrências de queimaduras.

O cirurgião é um dos integrantes locais da campanha Junho Laranja, que busca combater e prevenir acidentes com queimaduras. A maioria dos casos que dão entrada no CTQ são de queimaduras por líquidos superaquecidos, fogo ou eletricidade. “A atenção dos cuidados deve ser focada dentro de casa, principalmente para crianças e idosos. Devemos sempre isolar a cozinha do resto da casa em relação às crianças, pondo algum tipo de barreira física para elas”, diz.

Saber como agir dentro de casa é essencial para evitar que a situação piore, ressalta o especialista. Se ocorre uma queimadura, o procedimento é basicamente lavar com água, cobrir com um pano limpo e ir ao médico. Marco Almeida ressalta que as crenças antigas sobre cuidados com queimaduras devem ser esquecidas. “Não se deve passar nada. Seja clara de ovo, casca de banana, borra de café, creme dental, nada disso”, diz.

Segundo o cirurgião, substâncias estranhas podem aprofundar a queimadura, dificultar a primeira avaliação por parte do médico, além de causar muita dor na hora da retirada. “Por exemplo, passar uma pasta de dente na queimadura causa muito mais dor ao paciente. Só basta lavar com bastante água corrente para aliviar a dor e tirar algum resíduo que esteja aderido à pele. Envolver o ferimento em um pano limpo e se dirigir o mais rápido possível a uma avaliação médica”, diz.

A depender do grau da queimadura, os primeiros socorros podem ser realizados em qualquer Unidade de Pronto Atendimento (UPA) mais próxima. “E se houver necessidade, o médico vai regular a transferência para o Walfredo Gurgel. Após a queimadura, não se pode esperar dois ou quatro dias, como acontece muito na prática, infelizmente, porque as queimaduras se aprofundam, infectam, e isso piora muito o quadro. Não pode ficar esperando para ver no que vai dar”, avisa.

As queimaduras por eletricidade correspondem a 50% dos casos de morte nesse tipo de acidente. “Temos visto muita criança com queimaduras de terceiro grau com sérias sequelas, principalmente nas mãos. Por isso precisa de tantos cuidados em relação às tomadas, usar protetores e, se não tiver um protetor, colocar um esparadrapo, um móvel na frente, etc. Mas tem que deixar inacessível para os pequenos”, explica.

Os cuidados em relação às queimaduras químicas também passam por cuidados básicos. Para a crianças, o procedimento é manter produtos como soda cáustica e desinfetantes em prateleiras altas, e também barrar o livre acesso delas a fósforos e isqueiros. Marco Almeida destaca como uma grande vitória preventiva a proibição da venda de álcool líquido 70% nos supermercados e farmácias desde 30 de abril de 2024.

“Foi uma medida muito importante. Quando esse tipo de álcool foi liberado durante a pandemia da covid-19, o número de queimaduras dispararam e também a mortalidade por acidentes com álcool”, diz. Os acidentes aumentam muito quando se passa a cozinhar com líquidos inflamáveis. “Infelizmente, quando o preço do gás de cozinha sobe, muita gente passa a cozinhar com álcool, inclusive o combustível, que é uma coisa proibida”, lamenta.

As festas juninas, com suas fogueiras e bombinhas, inspiram atenção extra. O tenente Christiano Couceiro, chefe do Centro de Treinamento do Corpo de Bombeiros, aconselha que as fogueiras devem ser pequenas e acesas longe de matas, depósitos de papel ou produtos inflamáveis; observar o manuseio dos fogos, jamais apontar para alguém, por mais inofensivo que pareça; e na hora de comprar, ser cuidadoso com a procedência do material.

Cicatrizes
Há quatro anos Kaline Araújo lida com as marcas de um acidente inflamável. Era 2020, domingo dos pais, quando ela recebeu as chamas de um fogareiro (rechaud) mal manipulado por outra pessoa. “Assim que tirei minha filha do caminho, recebi todo o fogo. Ainda tive a iniciativa de ir ao banheiro, molhar o corpo e ir dirigindo eu mesma até o Walfredo”, conta. Ela teve 56% do corpo queimado com lesões de 3º grau.

A recuperação é dolorosa, lenta, e cara. Do acidente até hoje, Kaline já fez 50 cirurgias – e segue fazendo. Entre os cuidados cotidianos, estão o uso de protetor solar constante (até dentro de casa), roupas segunda pele, maquiagens específicas, sombrinha na rua, e uma dieta rica em proteínas, mas repleta de restrições. “É difícil retornar à vida normal. Tive uma depressão grande no começo, pois isso abala muito o psicológico e a autoestima”, conta ela, que já foi modelo, e trabalhou como recepcionista de clínica. Atualmente, está afastada do trabalho.




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