Juristas avaliam que prisão domiciliar de Bolsonaro é abusiva, humilhante e desproporcional



A decretação da prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), determinada nesta segunda-feira (4) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), é considerada abusiva e humilhante por constitucionalistas e criminalistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Eles apontam abuso de poder, violação de garantias fundamentais, desproporcionalidade e ausência de base jurídica concreta.

Embora a decisão tenha sido motivada pelo suposto descumprimento de medidas cautelares — que impediam o uso de redes sociais e manifestações públicas —, especialistas apontam que não há demonstração clara de autoria, nem detalhamento das condutas que justificassem a medida extrema. Durante o ato no Rio de Janeiro, o senador Flávio Bolsonaro ligou para Jair Bolsonaro, que cumprimentou a multidão. O parlamentar publicou o vídeo no Instagram, mas apagou a postagem posteriormente.

Para o advogado Guilherme Barcelos, doutor em Direito Constitucional e sócio do escritório Barcelos Alarcón Advogados, a decisão se baseia em um inquérito com alicerces frágeis e vagos, que nem sequer individualiza condutas atribuídas a Bolsonaro.

“Qual seria o ato especificamente imputado a Jair Bolsonaro? As indicações são de que ele poderia ter cometido coação e obstrução, além de atentado à soberania. Mas que ato específico poderia ter ensejado esses crimes? Em quais circunstâncias? Por quais meios? Quando?”, questiona Barcelos.


A prisão domiciliar foi decretada na investigação aberta recentemente por Moraes contra o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que depois foi estendida também ao ex-presidente, em razão da pressão feita junto aos Estados Unidos para sancionar Moraes.

Ele alerta para o risco de o processo assumir contornos de "pescaria probatória", prática condenada no sistema jurídico: “A investigação não pode ser algo abstrato, vago. Toda investigação precisa ter objeto certo e definido, com data, hora, descrição e circunstâncias. Do contrário, temos uma cadeia de vaguezas.”


"Aplicar esse tipo de medida a um ex-presidente constitui humilhação", afirma especialista

A advogada constitucionalista Vera Chemim reconhece que a prisão preventiva pode ser decretada em caso de descumprimento de medidas cautelares, como previsto no artigo 319 do Código de Processo Penal, mas critica severamente a forma como Moraes ampliou as restrições e ordenou nova busca e apreensão.

"Além de decretar a prisão domiciliar, ele ordena nova busca e apreensão e recolhe todos os celulares. Isso afronta a proporcionalidade. Impedir o ex-presidente de se comunicar com qualquer pessoa e restringir visitas é irrazoável, desproporcional", afirma.

"Aplicar esse tipo de medida a um ex-presidente constitui uma humilhação — que, na minha opinião, é a finalidade real. Impedir que ele se comunique com aliados é um ataque à sua liberdade e à democracia", opina Vera Chemim.

Além disso, Barcelos critica a imposição de censura disfarçada: “A proibição de uso das redes sociais é inconstitucional. Representa censura prévia. Bolsonaro não tem condenação penal. E censura prévia é vedada pelo artigo 5º da Constituição”, destaca.

Chemim também aponta a tentativa de censura e chega a colocar em dúvida o equilíbrio emocional de Moraes: “É uma censura à liberdade de comunicação. Temos aí um magistrado aparentando um desequilíbrio emocional muito grande, agindo com o fígado, impondo sanções como acha necessário. Isso é um descontrole fora do normal”, afirma.


Juristas apontam precedente perigoso

As manifestações convergem em torno de um alerta: a decisão de Moraes pode abrir um precedente perigoso no ordenamento jurídico brasileiro, esvaziando garantias básicas do processo penal, como o contraditório, a presunção de inocência e a exigência de provas concretas para medidas excepcionais como a prisão.

Berlinque Cantelmo, presidente da Comissão Nacional de Direito Penal Militar da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), acrescenta outra dimensão crítica ao caso: o uso de escalonamento disfarçado para contornar a falta de base jurídica para a prisão preventiva.

“Trata-se de um escalonamento proposital ou circunstancial para que não haja a imediata decretação da prisão preventiva. A prisão domiciliar já vinha ocorrendo na prática, com recolhimento noturno e proibição de saídas aos fins de semana.”


Ele destaca que a medida foi imposta de ofício, sem pedido da defesa: “O benefício da prisão domiciliar deve ser requisitado pela defesa, não concedido de ofício pelo juiz. Moraes transveste a medida como um degrau a mais, mas ela carece de fundamentação idônea.”

O criminalista chama atenção para a ausência de audiência de justificação antes do agravamento das medidas, o que fere o direito à ampla defesa: “Não houve descumprimento deliberado das cautelares, a princípio. E qualquer agravamento deveria ser precedido de audiência onde Bolsonaro pudesse apresentar esclarecimentos. Isso não ocorreu.”

Para Cantelmo, a escalada punitiva contra Bolsonaro coloca em xeque a imparcialidade e os limites da atuação do Judiciário. “Não é porque se trata de Bolsonaro que se pode relativizar os princípios do Estado de Direito”, resume.

Advogado classifica prisão domiciliar de Bolsonaro como “grave violação constitucional”

O advogado constitucionalista André Marsiglia classificou a decisão de prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro como uma “grave violação constitucional” por parte do ministro Alexandre de Moraes.


Segundo Moraes, Bolsonaro teria descumprido medidas cautelares ao participar de videochamadas e ter conteúdos seus republicados por terceiros durante manifestações públicas.

Marsiglia, no entanto, argumenta que punir o ex-presidente por atos de terceiros — como a republicação de conteúdos — fere diretamente o artigo 5º, inciso XLV da Constituição Federal, que estabelece que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”. “Se manifestar publicamente é lícito, como o próprio Moraes reconhece. Então, responsabilizar Bolsonaro por manifestações alheias é frontalmente ilegal”, afirmou o advogado.

Além disso, Marsiglia criticou o caráter das novas medidas, que classificou como uma “fishing expedition” — expressão usada para descrever investigações genéricas em busca de provas sem foco definido. “Não se trata de proteger o processo, mas de vasculhar em busca de elementos que possam justificar futuras acusações”, disse.

O jurista também sugeriu que a decisão pode ter motivações políticas. “A medida parece servir como cortina de fumaça para desviar o foco da Vaza Toga 2, revelada hoje pelo jornalista Michael Shellenberger”, afirmou, referindo-se à nova série de denúncias envolvendo o Judiciário.


A decisão de Moraes foi motivada por sucessivas violações das medidas cautelares impostas anteriormente. Entre os episódios citados estão uma chamada de vídeo com o deputado Nikolas Ferreira e a suposta preparação de conteúdos para divulgação durante atos públicos. Moraes afirmou que “a Justiça é cega, mas não é tola” e que não permitirá que o réu “a faça de tola”.

Advogados de Direita: prisão domiciliar de Bolsonaro é "episódio de perseguição judicial"

O Movimento Advogados de Direita classificou a determinação de Moraes sobre a prisão domiciliar de Bolsonaro como um "alarmante episódio de perseguição judicial".

"O ministro Alexandre de Moraes acaba de decretar a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, sob a alegação de descumprimento de medida cautelar. O “crime”? Aparecer em vídeo publicado por terceiros, enquanto recebia uma ligação do filho, Flávio Bolsonaro, durante as manifestações populares de 3 de agosto. A ordem de prisão não se baseia em ação direta de Bolsonaro nas redes, mas em conteúdo divulgado por terceiros, num evento público, onde foi apenas destinatário de uma ligação telefônica. Trata-se de um novo e alarmante episódio de perseguição judicial, sem contraditório, sem flagrante, sem proporcionalidade", afirmou o grupo no X.


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