Voto de Fux aponta os 4 grandes erros das medidas do STF contra a liberdade de Bolsonaro


O voto do ministro Luiz Fux no processo da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal que proibiu o ex-presidente Jair Bolsonaro de dar entrevistas e se comunicar por redes sociais aponta quatro erros do Supremo, segundo analistas ouvidos pela reportagem. São eles: as ações de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos não são crimes segundo o Código Penal, o STF não pode ser influenciado por política internacional, as restrições contra Bolsonaro não eram necessárias e as medidas ferem a liberdade de expressão do ex-presidente.

Fux foi o único a divergir na Primeira Turma do relator Alexandre de Moraes. O processo trata da imposição de medidas cautelares ao ex-presidente no contexto de uma investigação que apura suposta tentativa de obstrução da Justiça por meio de pressões externas promovidas, segundo a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República (PGR), com o auxílio do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está desde maio nos Estados Unidos.

O presidente Donald Trump ameaçou taxar as exportações brasileiras para o país em 50% por diversos fatores, entre eles a perseguição política a Bolsonaro.

Os outros três ministros da Primeira Turma do STF, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Cármen Lúcia, tinham votado pela manutenção das medidas cautelares impostas por Moraes a Bolsonaro, a pedido da Procuradoria-Geral da República. Entre elas estão o uso de tornozeleira eletrônica, o impedimento de conversar com seu filho Eduardo e a proibição de se comunicar por redes sociais e dar entrevistas.

Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, os fundamentos do voto de Fux apontam para uma contenção do ativismo judicial e para o respeito às garantias constitucionais fundamentais.

Confira os quatro pilares destacados pelos analistas sobre o voto de Fux:


1. Atos imputados a Eduardo Bolsonaro não são crimes segundo o Código Penal


De acordo com Alessandro Chiarottino, Fux alerta para o fato de que os atos imputados a Eduardo Bolsonaro — como a suposta tentativa de provocar entraves nas relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos — não configuram crimes, pois não estão previstos no Código Penal brasileiro.

“O que o ministro está dizendo é que essas condutas, mesmo que politicamente reprováveis, devem ser enfrentadas na esfera diplomática ou política, e não pela via judicial, pois não há uma caracterização de crime em Eduardo estar nos EUA se mobilizando”, explica.


Fux diz em sua decisão que, por não configurarem crime, as questões ligadas à ação de Eduardo Bolsonaro fora do Brasil devem ser tratadas pelo Executivo e pelo Legislativo. Segundo ele, a tentativa de judicialização de “atos essencialmente políticos” ultrapassa a competência do Judiciário.

Duas das alegações feitas por Moraes para determinar as medidas cautelares contra Bolsonaro foram o deputado federal estar fora do Brasil agindo, supostamente, para a obstrução da Justiça brasileira e seu apoio ou envolvimento em ações que promovem sanções internacionais contra o Brasil. “Isso ainda se baseia no campo das hipóteses, sem ato definitivamente comprovatório. É como se estivesse julgando alguém antes mesmo de um devido processo legal”, explica.

Para o advogado e comentarista político Luiz Augusto Módolo, a decisão de Fux contesta uma lógica punitiva que ocorre mesmo que não haja crime de forma comprovada. Para Módolo, o julgamento na Primeira Turma do STF ultrapassa o mérito jurídico e adentra perigosamente o campo da intimidação política.

“O voto do ministro Fux foi tecnicamente correto e coerente com os princípios constitucionais por entender que parte das alegações sequer pode ser considerada crime. O que chama a atenção é que os demais ministros estão misturando soberania judicial com a situação política de Bolsonaro, como se uma coisa justificasse a outra”, afirma o especialista.


2. Política internacional não pode influenciar decisões do Supremo Tribunal Federal


Outro ponto enfatizado no voto de Fux contra as medidas impostas a Bolsonaro é o princípio da soberania e da independência judicial. O ministro considera inaceitável a hipótese de que ações políticas internacionais possam influenciar o julgamento de ministros da Corte.

Chiarottino resume: “Fux faz uma profissão de fé na independência do STF e afirma que é absurdo cogitar que decisões judiciais seriam moldadas por pressões externas — especialmente de um governo estrangeiro. É um ponto muito forte e simbólico da posição dele”, afirma. Ele se refere ao fato de o processo contra Eduardo e Jair Bolsonaro estar relacionado a uma declaração do presidente americano Donald Trump de que ocorre uma "caça às bruxas" no Brasil contra o ex-presidente.

Para o especialista em Direito Penal Márcio Nunes, o voto de Luiz Fux representa um contraponto importante dentro do Supremo ao reforçar os limites constitucionais da atuação judicial e defender a preservação das garantias fundamentais, mesmo diante de um caso politicamente sensível. “É uma divergência que resgata a ideia de separação de Poderes e da atuação comedida do Judiciário, algo cada vez

mais relevante no atual contexto político e institucional do país”, alerta.


Segundo Módolo, também está sendo levantada a questão se Fux não agiu de forma independente dos demais ministros para evitar ser alvo de sanções pessoais impostas pelos Estados Unidos. Washington retirou o visto de Moraes e de seus "aliados". Fux teria sido um dos poupados.

“Os que foram sancionados acabaram arrastando os não sancionados para o mesmo balaio. Agora, sempre que um ministro decidir com independência, como Fux fez, haverá quem questione se o fez para evitar sanções internacionais. E isso é uma injustiça com os que não cometeram qualquer infração”.


3. Medidas cautelares não eram necessárias


O terceiro ponto, conforme destaca Alessandro Chiarottino, é o questionamento da real necessidade das medidas cautelares impostas a Bolsonaro. Fux observa que o ex-presidente, suposto beneficiário das ações do filho que está nos Estados Unidos, já se encontra com passaporte retido e residência conhecida, o que, segundo ele, elimina o perigo de fuga do Brasil.

“Fux afirma que não há risco imediato que justifique novas restrições, pois já há medidas suficientes em vigor. Ele entende que não há ‘periculum in mora’ (perigo na demora da Justiça em agir).

O voto de Fux sinaliza uma clara divergência dentro STF com um voto contundente contra as restrições impostas a Jair Bolsonaro. “A posição de Fux, que não referendou a decisão que impôs as cautelares pelo ministro Alexandre de Moraes, baseia-se em pilares como a soberania judicial, a ausência de requisitos para medidas restritivas e a defesa intransigente da liberdade de expressão”, alerta o advogado Luiz Augusto Módolo.

Em tom ainda mais grave, o especialista acusou o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, de utilizar a medida cautelar não como garantia jurídica, mas como ferramenta de teste político. “Ao invés de decidir com base no direito, parece que o relator está testando as águas da reação popular. Isso não é método legítimo de decisão em um Estado de Direito”, disse.


4. Defesa da liberdade de expressão como cláusula pétrea


Especialistas destacam ainda o posicionamento firme de Fux em relação às liberdades constitucionais, em especial à liberdade de expressão e enfrentamento à censura prévia. O ministro critica a amplitude das medidas que impedem Bolsonaro de utilizar redes sociais ou de se comunicar com determinadas pessoas, alegando que tais restrições colidem frontalmente com direitos fundamentais.

“Fux reafirma o que já foi dito por outros ministros em julgados anteriores: o Judiciário não pode exercer uma função inibitória da liberdade de expressão, ainda que em caráter cautelar. A crítica é clara: não cabe ao juiz decidir o que pode ou não ser dito em um ambiente democrático”, afirma Chiarottino.

Somado a isso, segundo o analista, a amplitude das medidas determinadas por Moraes restringe desproporcionalmente direitos fundamentais – como de liberdade de expressão e de ir e vir – sem provas que crimes estejam acontecendo neste momento, de forma concreta e individualizada.

Para analistas, a decisão de Fux desafia Moraes e acaba expondo um racha no STF sobre medidas cautelares e toca em um tema sensível: liberdade de expressão e censura. “Em seu voto, Fux também cita a violação à liberdade de expressão que as cautelares impõem, ao vedar entrevistas e transmissões e retransmissões de falas, áudios e textos de Bolsonaro. Há reconhecimento de censura”, alerta o constitucionalista André Marsiglia.

O posicionamento de Fux adiciona, segundo Márcio Nunes, um elemento relevante de debate jurídico ao caso, especialmente no que se refere aos limites entre proteção institucional e liberdades individuais no contexto de investigações penais envolvendo figuras públicas.

“A decisão de Fux não muda o cenário, mas é o voto técnico de um juiz do STF que entende que em tese, existem aspectos que sequer podem ser considerados crimes”, alerta André Marsiglia.

Apesar do tom crítico, Módolo alertou para o que chamou de um respiro de esperança: “Esse voto de Fux pode ser o início de uma reação — um despertar da classe jurídica contra os abusos cometidos nos últimos seis anos”.


Gazeta do Povo


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