EUA podem sancionar mais autoridades após Moraes e Dino afrontarem a Lei Magnitsky
A gestão do presidente americano Donald Trump intensificou sinais de que poderá sancionar mais autoridades brasileiras com a Lei Magnitsky, após atingir Alexandre de Moraes, diante da postura desafiadora do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), reforçada pela decisão do colega Flávio Dino.
Em nova fase da crise diplomática, o Departamento de Estado dos Estados Unidos reagiu rápido e com firmeza à decisão de Dino desta segunda-feira (18), que proibiu aplicação automática de leis e decisões estrangeiras no Brasil. “Nenhum tribunal estrangeiro pode invalidar as sanções”, rebateu o órgão americano.
Antes, Moraes avisou ao jornal americano The Washington Post que “não existe possibilidade de recuar um milímetro” na condução do processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), deixando claro que não cederá à pressão. Com isso, um órgão do Departamento de Estado americano, o Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental, voltou a falar em retaliações contra os “aliados de Moraes”.
Além de Moraes, chamado de “tóxico para todas empresas e indivíduos que buscam acesso aos EUA”, o governo americano reiterou que monitora quem dá “proteção material” ao juiz. Movimentações de bastidores indicavam que possíveis alvos de sanções seriam os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Mas a iniciativa de Dino pode mudar prioridades.
Moraes ignora pressão externa e acelera o julgamento de Jair Bolsonaro
Apesar das sanções que sofreu dos EUA e de novas denúncias sobre os seus atos irregulares na Justiça Eleitoral, Moraes segue apressando o julgamento de Bolsonaro na Primeira Turma da Corte. Ao longo de setembro, o ex-presidente será julgado e, segundo analistas, deve ser condenado a uma longa prisão por supostamente liderar trama golpista.
Segundo juristas, políticos conservadores e analistas, ao persistir em sentenciar Bolsonaro e tirá-lo de vez das urnas em 2026, Moraes fustiga medidas extras de Trump atreladas ao propósito de encerrar o julgamento do seu aliado e restaurar a elegibilidade dele. Na prática, ao afrontar tarifaços e punições estendidas a seus “aliados”, o juiz já ampliou o alvo da Lei Magnitsky Global.
Ao largo da campanha pelo impeachment de Moraes, barrada no Senado por Alcolumbre, e da pressão pela anistia dos réus do 8 de janeiro e pelo fim do foro privilegiado, ignorada por Motta na Câmara, sobressai o recado do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) de que virão ações contra os chefes do Congresso, devido à resistência em pautar propostas da oposição.
Trump exige a libertação de Bolsonaro e o fim da perseguição judicial liderada por Moraes contra a direita — cobrança que escapa à alçada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), visto pela Casa Branca como aliado e beneficiário do STF. O petista explora eleitoralmente o embate com os EUA.
Trump enviou carta a Bolsonaro e avisou que vai “observar tudo de perto”
Em carta pessoal a Bolsonaro, datada do último dia 17, Trump frisou que já manifestou fortemente sua desaprovação, “tanto publicamente quanto por meio da política tarifária”. “É minha sincera esperança que o governo do Brasil mude de rumo, pare de atacar seus opositores políticos e encerre seu ridículo regime de censura. Vou observar tudo de perto”, disse.
Sem reação do Congresso, o impasse se prolonga e a crise se agrava. Resta então a dúvida: quais seriam as consequências caso Hugo Motta e Davi Alcolumbre sejam sancionados pela Magnitsky? Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo divergem sobre a real dimensão dos efeitos, mas convergem em apontar a possibilidade da medida, que pode se concretizar em breve.
Para Leonardo Barreto, da consultoria Think Policy, o país ainda não sabe como reagir institucionalmente à intervenção americana, mas a resposta virá do Legislativo. Ele lembra que sanções dos EUA, como a Magnitsky e o cancelamento de vistos, hipoteticamente já atingem oito ministros do STF e familiares deles. “Desde o início, Moraes cobrou solidariedade dos Poderes”, observa. Os EUA não divulgaram a lista oficial dos ministros e familiares que foram sancionados. Disseram apenas que a punição inclui Moraes e seus aliados no tribunal.
A reação do Congresso, porém, foi só protocolar. Notas de Hugo Motta e Davi Alcolumbre falaram em soberania, mas sem menções diretas a Moraes, sinalizando a tentativa de se manter à margem de um impasse visto como problema do STF e do Executivo. “Havia quem acreditasse que deputados e senadores lucrariam com o desgaste dos outros Poderes”, diz Barreto.
Analistas apostam em resposta negociada do Congresso em meio a sanções
Para João Hummel Vieira, da Action Consultoria, a pauta para reduzir os poderes do STF parada na Câmara esconde articulações intensas, com chance de avanço no fim do foro privilegiado, o que daria fôlego ao Legislativo para resistir às pressões do Supremo e, depois, editar novas regras para o Judiciário.
O cientista político Ricardo Caldas acredita que novas sanções devem estar em curso contra autoridades, mas opina que não haverá reação firme dos presidentes da Câmara e do Senado, mesmo se forem atingidos pela Magnitsky. Ambos têm outras vulnerabilidades que apontam temer mais, como a possibilidade de investigações sobre recursos parlamentares. “Os dois farão como Alexandre de Moraes, fingindo que não é com eles”, aposta.
Adriano Cerqueira, professor de Ciências Políticas da Universidade de Ouro Preto (Ufop), avalia que Motta e Alcolumbre seriam os maiores prejudicados com sanções da lei americana, sobretudo se atingidos economicamente.
Segundo ele, na prática, é Eduardo Bolsonaro que tem atuado para dosar o ritmo das punições, mantendo o jogo de pressões aberto com Washington. Já o ex-deputado e ex-procurador Deltan Dallagnol ironizou Moraes, acusando-o de abusar do poder mesmo após ser sancionado pelos EUA, como “xerife da democracia”.
Críticos dentro dos EUA apontam risco de instrumentalização política da Magnitsky
A inclusão de Alexandre de Moraes na lista de sancionados da Lei Magnitsky, em 23 de julho, provocou forte reação no Congresso dos EUA, entre apoiadores históricos da norma e entidades civis. A medida, oficializada pelo Tesouro e pelo Departamento de Estado sob acusação de “abusos graves de direitos humanos”, foi vista como instrumentalização política. As sanções começaram com a revogação de vistos, estendendo-se a bloqueio de bens e proibição de negócios com empresas americanas.
No Senado, as senadoras Jeanne Shaheen e Elizabeth Warren classificaram a decisão como “uso indevido” da lei, concebida para punir torturadores e corruptos, não juízes de países aliados. Na Câmara, o deputado Jim McGovern, um dos autores da lei, chamou a sanção de “horrível” e politizada. O ativista Bill Browder, que participou de uma campanha internacional pela aprovação da Lei Magnitsky, disse que a medida desvirtuou seu espírito. A ONG Human Rights First alertou para a politização de “um instrumento essencial” e a Transparência Internacional chamou o ato de “alarmante e inaceitável”.
No debate público, Paul Krugman, que recebeu um prêmio Nobel de economia, apontou abuso de poder e “impulso autoritário” na política de Trump para o Brasil. Juridicamente, a Global Magnitsky Global não exclui magistrados, e permite contestação administrativa ou judicial nos EUA. Embora já tenha atingido congressistas russos, analistas veem freios políticos para punir parlamentares em democracias aliadas.
Segundo o professor de relações internacionais Daniel Afonso Silva, da Universidade de São Paulo, a resistência é real, mas limitada: “Não creio que o Legislativo americano esteja disposto a travar com Trump nesse ponto. O risco maior é o de desmoralização em eventual contestação judicial”, diz.
Dino também encurrala bancos com contas de Moraes que operam nos EUA
A decisão de Flávio Dino de proibir empresas constituídas no Brasil de executar medidas dentro do país em decorrência de atos estrangeiros deixou os bancos numa encruzilhada, diante da inclusão do ministro Alexandre de Moraes na Lei Magnitsky, e podem tornar Dino alvo de sanções americanas também.
Se seguirem à risca a determinação de Dino, os bancos ficam sujeitos a punições nos Estados Unidos, com risco de exclusão do mercado financeiro internacional e interrupção de suas operações em território americano. Se optarem por seguir a Magnitsky e cortar serviços que prestam a Moraes, correm o risco de punição pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Há até possibilidade de prisão de seus executivos no Brasil por ordem dos ministros.
Desde que Dino emitiu sua decisão na manhã de segunda-feira (18), executivos do setor financeiro, consultores jurídicos e advogados têm estudado como lidar com a situação. A decisão do ministro se deu numa ação sem qualquer relação com a sanção de Moraes – um processo movido pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que representa o setor no Brasil, contra determinações da Justiça da Inglaterra para indenizar municípios mineiros afetados pelo desastre de Mariana, em 2015.
Apesar de não citar o caso de Moraes, Dino estabeleceu que atos estrangeiros não produzem efeitos no Brasil, a não ser quando autorizados pelo Judiciário nacional. “Presume-se a ineficácia de tais leis, atos e sentenças emanadas de país estrangeiro. Tal presunção só pode ser afastada, doravante, mediante deliberação expressa do STF, em sede de Reclamação Constitucional”, escreveu o ministro.
Em outro trecho, ele deixou claro que dependeriam de prévia autorização do STF a realização de “transações, operações, cancelamentos de contratos, bloqueios de ativos, transferências para o exterior (ou oriundas do exterior) por determinação de Estado estrangeiro”. No final, determinou que todo o setor financeiro fosse comunicado.
Desde que o Tesouro americano sancionou Moraes, no final de julho, os ministros do STF têm procurado saber, junto ao setor financeiro, em que medida o colega ficará prejudicado, e quais as consequências bancos e outras empresas que prestam serviços também nos EUA sofrerão caso mantenham relações com ele.
De início, dentro do STF, alguns ministros enxergaram na decisão de Dino uma forma prática de terem mais clareza sobre como os bancos, de forma concreta, vão restringir ou mesmo encerrar contratos, financiamentos, investimentos de Moraes no Brasil.
A necessidade de prévia autorização da Corte para executar essas medidas ainda daria aos ministros algum grau de controle sobre as restrições. Na decisão, Dino esclareceu ainda que pessoas afetadas por atos estrangeiros poderiam apresentar uma reclamação ao STF, tipo de ação que visa garantir um direito assegurado pela Corte.
O problema é que os bancos já vinham executando, de forma automática, as restrições impostas não apenas a Moraes, mas em relação a outros sancionados pelos EUA com atuação no Brasil. Como mostrou a Gazeta do Povo, o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC), do Tesouro Americano, já sancionou 16 indivíduos com atuação no Brasil por ligações com o narcotráfico e o terrorismo internacional.
A dúvida agora é o que fazer em relação a eles: suspender as restrições já aplicadas para pedir autorização para o STF validá-las, e com isso arriscar-se a punições dos EUA, ou manter as restrições e correr o risco de serem punidas no Brasil pelo STF.
Dentro do meio empresarial, é lembrado que, no ano passado, Alexandre de Moraes chegou a ameaçar de prisão executivos do X no Brasil por causa do descumprimento de suas ordens de bloqueio de perfis e guarda de dados de pessoas censuradas.
Nos bancos, o bloqueio de ativos e encerramento de contas de sancionados pelo OFAC é um procedimento automatizado, exigido de empresas prestadoras de serviços de tecnologia e de bancos americanos que mantém relações com os bancos brasileiros. Os próprios sistemas internos detectam se determinado cliente possui restrições nos EUA e geram alertas para não dar seguimento a transações que envolvam essa pessoa.
Isso acontece porque as sanções do OFAC, na prática, impelem as empresas que operam nos EUA a impor um boicote aos sancionados. Isso porque, caso forneçam algum recurso, bem ou serviço a um dos sancionados ficam sujeitas, elas mesmas, a penalidades severas dentro dos Estados Unidos – o que inclui multas altas ou mesmo punições criminais para os responsáveis, sempre dentro do território americano.
Assim, a decisão de Dino não impede que o Tesouro americano puna nos EUA os bancos brasileiros que mantenham relações com Moraes no Brasil. Foi o que declarou o Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental, do Departamento de Estado dos EUA.
Para Luciano Timm, advogado e professor de Direito Econômico, a decisão pode, no limite, pressionar as empresas brasileiras a abrirem mão de seus negócios nos EUA. “Se a empresa não seguir a Lei Magnitsky, os EUA podem congelar seus ativos sob jurisdição americana, restringir suas transações em dólar e até limitar suas relações comerciais com bancos e empresas globais que se alinham às sanções”, explica.
Bancos são multados por relações com sancionados
Desde 2009, bancos ao redor do mundo têm pagado pesadas multas nos EUA por terem falhado nos controle internos e, com isso, mantido relações com sancionados. Naquele ano, o Credit Suisse, da Suíça, pagou US$ 536 milhões após admitir operações para entidades sancionadas do Irã e Sudão. Em 2012, foi a vez do ING Bank, da Holanda, pagar multa de US$ 619 milhões por manipular registros e omitir informações em mais de 20 mil transações principalmente ligadas a países sob sanção dos EUA.
No mesmo ano, o HSBC, do Reino Unido, pagou US$ 1 bilhão por falhas que liberaram transações com Irã, Líbia e Sudão, além de lavagem de dinheiro para cartéis de drogas. Em 2014, o BNP Paribas, da França, pagou US$ 8,9 bilhões em multas após admitir ter processado transações ilegais de aproximadamente US$ 30 bilhões envolvendo Cuba, Irã e Sudão entre 2004 e 2012. O banco chegou a ser suspenso de operar em dólar.
Nesta terça-feira (19), Dino emitiu novo despacho, desta vez apenas para explicitar que sua decisão não vale para ordens de tribunais internacionais aos quais o Brasil está submetido por ter aderido a tratado internacional. Significa que não é necessário que o Judiciário e o STF validem decisões, por exemplo, do Tribunal Penal Internacional (TPI) e da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).