PCC controla império bilionário em 15 setores e você pode ser cliente sem saber
De postos de gasolina a negócios imobiliários. De fintechs a agenciamento de jogadores de futebol. De empresas de ônibus à mineração. Essa carteira de investimentos, variada e bilionária, chama atenção por um detalhe: pertence não a um grande empresário, banco ou fundo de investimentos, e sim a um dos maiores grupos criminosos do Brasil.
A megaoperação conjunta da Polícia Federal, Receita Federal e Grupos de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) dos ministérios públicos estaduais e federal, com apoio das forças policiais estaduais, deflagrada no final de agosto — que expôs os vínculos bilionários da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) com a Faria Lima e a extensão da infiltração da facção criminosa sobre o setor de combustíveis no país —, revela apenas parte do problema.
De acordo com investigações do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), a facção criminosa já está infiltrada em pelo menos 15 grandes setores da economia formal brasileira. A aquisição de grandes negócios legais cumpre uma dupla função: em primeiro lugar, a lavagem do dinheiro proveniente de ações criminosas, principalmente do tráfico de drogas nacional e internacional.
Em segundo, os lucros provenientes dos próprios negócios viabilizados com o dinheiro do crime — muitas vezes maximizados mediante fraudes com alto grau de poder de dano a consumidores e clientes, como visto no esquema de adulteração de combustíveis desbaratado pela recente megaoperação.
Setores com infiltração do PCC
A facção criminosa realiza a lavagem de dinheiro estruturada, de acordo com o MP-SP, nos seguintes ramos da economia formal:
- Postos de gasolina
- Agências de automóveis
- Imóveis
- Empresas de construção civil
- Casas de câmbio no Paraguai
- Bancos digitais, fintechs e fundos de investimento privados
- Bitcoins
- Empresas de ônibus no setor de transporte público metropolitano
- Igrejas
- Mineração ilegal
- Organizações sociais de saúde pública, limpeza urbana, coleta de lixo e mais
- Empresas de apostas e jogos de azar (bets)
- Empresas ligadas ao futebol
- Frotas de caminhões de transporte*
- Terminais portuários*
"O que eu diria é que sim, o PCC hoje está na economia formal”, resumiu Lincoln Gakiya, promotor de Justiça do MP-SP considerado "inimigo número 1” da facção criminosa, durante a apresentação da lista acima em uma palestra no seminário "Crime organizado e mercados ilícitos no Brasil e na América Latina: construindo uma agenda de ação”. Os dois últimos itens da lista de atividades econômicas acima não faziam parte da lista apresentada pelo promotor no evento, e foi incluída pela reportagem da Gazeta do Povo para contabilizar as duas novidades reveladas na megaoperação do mês passado.
O evento com a participação de Gakiya foi realizado nos dias 24 e 25 de junho pela Escola de Segurança Multidimensional (Esem) e pela Cátedra Oswaldo Aranha na Faculdade de Economia e Administração (FEA), da Universidade de São Paulo (USP). Reuniu especialistas e mais de 300 participantes para debater o tema e discutir a construção de uma agenda de ação. Dentre outros, contou com a presença do procurador nacional Antimáfia e Antiterrorismo da Itália, Giovanni Melillo.
"As empresas que eles estão administrando não são mais empresas de fachada como há alguma década atrás. São empresas que existem, que estão prestando serviço, às vezes até prestando um bom serviço. Mescla-se nelas o dinheiro do tráfico de entorpecentes, do tráfico internacional, com o efetivo lucro que as empresas dão por ano”, disse o promotor de Justiça na apresentação.
Uso de fintechs e fundos de investimentos são evolução no processo de organização do crime
"Depois que a polícia começou a focar mais na lavagem de dinheiro das quadrilhas e facções, na internacionalização e integralização de capital, na parte patrimonial, para além da atividade fim criminosa, a gente identifica cada vez mais novas formas disso acontecer”, afirma à Gazeta do Povo o ex-secretário da Segurança Pública do Paraná e delegado da Polícia Federal (PF) Wagner Mesquita.
"A polícia está sempre a reboque. O crime sempre vai sempre procurar ferramentas novas para fazer isso, que tenham pouco controle, que sejam rápidas e possam movimentar o dinheiro da maneira mais anônima possível", acrescenta ele.
Assim, na análise de Mesquita, é um caminho natural as facções criminosas buscarem diversas atividades na economia legal, principalmente no mercado financeiro, sujeito a menos regulamentação e com o uso de novas tecnologias. "A questão da infiltração no setor de combustíveis já era bem conhecida, mas o uso das fintechs e fundos de investimento são uma grande novidade e evolução nesse processo de organização do crime”, afirma o delegado.
"Em um segundo momento, essas atividades econômicas legais e secundárias passam a ser tão lucrativas quanto as atividades criminosas originais em si. O dinheiro de origem ilícita é investido e acaba sendo multiplicado legalmente em atividades lícitas e rentáveis”, afirma Mesquita.
“Quando menos vemos, estamos interagindo com essas empresas, muitas vezes conhecidas, que você jamais imaginaria que teve sua origem em atividades criminosas”, salienta ele.
Colaboração internacional
Durante o seminário na USP, foi anunciado um passo importante no Brasil para o combate ao crime organizado transnacional. O MP-SP e a Procuradoria Nacional Antimáfia e Antiterrorismo da Itália (DNA) formalizaram um Acordo de Cooperação Técnica para o compartilhamento de dados e informações, intercâmbio de experiências e capacitação de membros e funcionários, com o objetivo de prevenir e reprimir organizações criminosas.
A iniciativa é inédita. Os acordos diretos, sem intermediação ou participação dos governos dos países envolvidos, surgem no âmbito da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, também conhecida como Convenção de Palermo, e seus protocolos adicionais, que promovem a cooperação direta entre as autoridades competentes, o intercâmbio de informações, a criação de equipes conjuntas de investigação e a capacitação de funcionários e agentes públicos como instrumentos fundamentais no combate ao crime organizado internacional.