Anistia, democracia e as ironias da história
Ao longo da história brasileira, dezenas de anistias foram aprovadas, tendo como objetivo recolocar o país nos trilhos da conciliação política. Isso ocorreu nos períodos colonial e regencial, no Segundo Império e após a proclamação da República. Em que pese não haver um momento específico que imponha a necessidade de se conceder uma anistia, na sua essência, ela pressupõe o reconhecimento de um cenário excepcional na vida política do país, como é o caso do Brasil na atualidade.
As anistias, portanto, são concedidas nos períodos de pacificação da comunidade política, após a ocorrência de conflitos, revoltas ou reivindicações direcionadas contra o Estado. Num Estado Democrático de Direito, em geral, essa atribuição é de competência do Parlamento.
Os principais atores políticos e econômicos, e grande parcela da população não contaminada por ideologias de esquerda, sabem que, sem uma anistia ampla, geral e irrestrita, não haverá a pacificação da sociedade
Como testemunha ocular da história, acompanhei de perto e apoiei a aprovação pelo Congresso Nacional, da lei da anistia de 1979. Entendo que ela foi um ponto de inflexão no cenário político brasileiro, que permitiu a redemocratização e a pacificação do país. Com sua aprovação, assisti de perto os exilados e banidos voltarem para o Brasil, os clandestinos deixaram de se esconder da polícia, os réus tiveram os processos nos tribunais militares anulados, e os presos foram libertados de presídios e delegacias.
Por uma estranha ironia da história, vejo com perplexidade, na atualidade, que os anistiados do passado são os mesmos que estão gritando nos palcos, nas redes sociais, nas televisões e na imprensa: anistia não!
Inúmeras figuras públicas – políticos, artistas, jornalistas, professores, sindicalistas, entre outras - que foram beneficiadas pela anistia no passado, certamente afetadas por ideologias ou por interesses não republicanos, revelam de forma explicita o seu caráter, ao se recusarem a apoiar uma anistia ampla, geral e irrestrita.
Nos seus âmagos, revelam que estão assustadas e temerosas, pois sabem que a aprovação da lei de anistia ampla, em gestação na sociedade e no Parlamento, irá provocar mudanças sensíveis no cenário política, econômico e social no país em 2026. O povo brasileiro, notadamente, os que estão indo para as ruas, ou que se manifestam nas pesquisas de opinião, sinalizam que estão cansados de má gestão, corrupção e impunidade, e que aspiram governantes mais competentes, menos desperdícios e corrupção, em especial, mais transparência na governança pública.
Assim, como ocorreu nos últimos anos da década de setenta, é perceptível que a aprovação de uma anistia ampla, geral e irrestrita é inexorável. É importante destacar que, essa anistia ampla, de forma consciente e inconsciente, já está nas mentes e corações dos brasileiros que desejam um país mais justo e democrático.
Os principais atores políticos e econômicos, e grande parcela da população não contaminada por ideologias de esquerda, sabem que, sem uma anistia ampla, geral e irrestrita, não haverá a pacificação da sociedade, a retomada da liberdade de expressão e da democracia no Brasil.
José Matias-Pereira, doutor em Ciência Política pela Universidade Complutense de Madrid, pós-doutor em Administração, é professor de Administração Pública da Universidade de Brasília. - Gazeta do Povo