Devaneios soberanos: Lula e o espetáculo da falsa autonomia
O imbróglio em curso com os EUA de Donald Trump colocou em primeiro plano o tema da soberania nacional, por trás do qual o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem se empenhado em escudar-se, na tentativa de recuperar pelo menos parte de sua popularidade em declínio.
Não obstante, em minhas quatro décadas de Brasil, tenho assistido a uma sequência de renúncias do Estado brasileiro aos instrumentos de exercício de uma soberania autêntica em sua capacidade de formulação de políticas públicas condizentes com os interesses genuínos da sociedade nacional.
Para restringir-me apenas a duas delas, remeto à adesão incondicional à “globalização financeira” e à agenda ambientalista-indigenista internacional, praticada pelos governos da “Nova República”, principalmente, a partir da década de 1990.
No campo econômico-financeiro, independentemente do governo de plantão, o controle foi “terceirizado” à Faria Lima, dentro dos critérios do “Consenso de Washington”. Nas rédeas do processo está o Banco Central (BC), encarregado da função quase exclusiva de manter a inflação dentro de uma meta pré-determinada com a questionável ferramenta dos juros elevados. Ao mesmo tempo, o governo federal é forçado a um draconiano regime de austeridade fiscal em benefício do serviço da dívida pública, que leva a parte do leão do orçamento federal.
Ao longo de todo o período, o BC vem-se constituindo numa autarquia com autonomia crescente para decidir o rumo das finanças nacionais. Não por acaso, quase todos os presidentes do banco têm saído do mercado financeiro.
O resultado foi a conversão do Brasil em uma fábrica de juros e dividendos, com baixa capacidade de investimento público e privado, em detrimento do desenvolvimento das atividades produtivas legais, cujo retorno esperado fica em ampla desvantagem frente ao regime de juros estratosféricos em vigor.
No momento, o BC mantém “esterilizadas” reservas cambiais da ordem de US$ 330 bilhões, a maior parte nos EUA, quando pelo menos uma parcela delas (que nem precisava passar de um terço) poderia ser aplicada, por exemplo, num grande programa de construção de saneamento básico, para solucionar o maior problema ambiental real do país e proporcionar uma injeção de produtividade na economia.
A restrição de soberania também se mostra com ênfase na ocupação física do território nacional e no aproveitamento dos seus recursos naturais. O processo decisório, desde o final da década de 1980, tem sido transferido a um aparato ideológico internacional que instrumentaliza critérios exacerbados de proteção do meio ambiente e de povos indígenas.
Esses critérios atuam como elementos de arbitragem supremos para toda sorte de empreendimentos produtivos, inclusive projetos de infraestrutura vitais para proporcionar ganhos de produtividade econômica e de mobilidade para populações carentes do interior, principalmente, na Amazônia Legal.
Integram esse aparato uma constelação de ONGs internacionais e nacionais, com forte financiamento de fundações privadas e governos estrangeiros, e um corpo de tecnocratas governamentais que atuam como elementos infiltrados no aparelho do Estado.
A lista de empreendimentos inviabilizados, retardados, artificialmente encarecidos ou simplesmente bloqueados, é imensa, causando prejuízos incalculáveis ao país. Para citar apenas alguns: a usina hidrelétrica de Belo Monte; a pavimentação da rodovia Manaus-Porto Velho (BR-319); a ferrovia EF-170 (Ferrogrão); a exploração da Margem Equatorial Brasileira; a exploração de potássio em Autazes (AM); e muitos outros, cuja mera menção encheria facilmente todo este artigo.
Esses exemplos denotam as limitações que têm sido impostas à soberania do Brasil, inclusive por muitos dos que hoje a invocam batendo no peito.
Curiosamente, em 2022, os EUA de Joe Biden promoveram uma série de intervenções de alto perfil em Brasília, em favor do então candidato do PT, com visitas de altos funcionários civis e militares, que vieram “advertir” contra qualquer suposta interferência indevida no processo eleitoral por parte do presidente Jair Bolsonaro e seus aliados. Na ocasião, não houve declarações inflamadas sobre violações da soberania nacional.
Dois anos depois, na presidência, Lula não se melindrou em retribuir a preferência, apoiando abertamente a candidata democrata Kamala Harris no pleito eleitoral de 2024, tendo chegado a afirmar que uma vitória de seu oponente republicano seria equivalente a um “retorno do nazismo e fascismo com outra cara”. Da mesma forma, não houve acusações ao presidente brasileiro pela intromissão indevida nas eleições estadunidenses.
Atitudes que mostram os seus desdobramentos nos episódios atuais.
Diante de tais fatos, convenhamos que os arroubos patrióticos vindos de Brasília têm muito mais de devaneios e bem menos de soberanos.
Lorenzo Carrasco - Gazeta do Povo