O alerta do Nepal: prudência na regulação digital
O debate sobre regulação digital no Brasil cresce, mas a pressa legislativa é inimiga da prudência. A experiência recente do Nepal oferece um alerta: governos que impõem controle sem compreender a complexidade social provocam tensão, não ordem — como refletiriam Roger Scruton e Russell Kirk sobre a fragilidade das instituições diante do improviso político.
Em setembro de 2025, o governo do Nepal, liderado pelo Partido Comunista do Nepal (marxista-leninista), bloqueou 26 plataformas digitais — incluindo Facebook, Instagram, WhatsApp, X e YouTube — alegando proteger a ordem pública. O resultado foi oposto. Multidões saíram às ruas de Catmandu; dezenove pessoas morreram, mais de cem ficaram feridas, e integrantes do governo perderam seus cargos. A coerção se revelou sinal de fragilidade, confirmando a lição de Russell Kirk: autoridade divorciada da prudência se torna vulnerável.
O episódio nepalês lembra que não existe régua digital neutra. Cada bloqueio ou remoção é escolha política. Mal calibrada, transforma diferenças legítimas em convulsão social
A autoridade legítima repousa sobre limites claros e instituições sólidas. Russell Kirk lembraria que a prudência é a virtude central da ordem civilizada. Paul Johnson sublinharia que compreender o passado é indispensável para não repetir erros de governos autoritários. Roger Scruton reforçaria que força sem moderação se transforma rapidamente em debilidade. Soluções impulsivas corroem a confiança pública e geram o caos que pretendiam conter.
As plataformas digitais também têm responsabilidades. Seus mecanismos de moderação — criados para conter discurso de ódio, desinformação e incitação à violência — apresentam limitações técnicas e vieses algorítmicos. Substituir essa opacidade por controle estatal absoluto, como ocorreu no Nepal, cria censura ampla e centralizada. Thomas Sowell lembraria que efeitos não intencionais frequentemente superam em gravidade os problemas que se pretende remediar.
O caminho sensato exige proporcionalidade, fundamentação clara, supervisão independente e possibilidade de recurso. Bloqueios digitais devem obedecer a parâmetros transparentes e à vigilância de tribunais, parlamentos e agências reguladoras, para que a exceção não se torne regra.
A educação midiática e o fortalecimento das instituições não são adornos, mas requisitos indispensáveis da vida democrática. Polícias, Ministério Público, Judiciário e órgãos reguladores devem exercer suas funções com transparência, independência e senso de responsabilidade. Quando essa tríade se desfaz, a promessa de proteger a sociedade contra abusos digitais converte-se facilmente em instrumento de perseguição política — advertência que Thomas Sowell não deixaria de sublinhar.
O episódio no Nepal lembra que não existe régua digital neutra. Cada bloqueio ou remoção é escolha política. Mal calibrada, transforma diferenças legítimas em convulsão social.
O Brasil não pode se iludir com soluções drásticas que prometem ordem imediata, como acorreu no Nepal. A estabilidade nasce da construção lenta de confiança entre governantes, instituições e cidadãos. É nesse equilíbrio — regras claras, respeito à liberdade e responsabilidade institucional — que repousa a verdadeira segurança, pensamento ecoado em cada linha de Roger Scruton, Russell Kirk, Paul Johnson e Thomas Sowell.
Carlos Henrique Gileno é professor do Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras, Unesp, campus de Araraquara, editor-chefe da “Revista Sem Aspas” e membro da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC).