Décadas perdidas: pobreza mental e o legado dos governos Lula e Dilma
A retórica do "Brasil que avança" e da "inclusão social" marcou a era dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011 e 2023-presente) e Dilma Rousseff (2011-2016). No entanto, por trás do aparente brilho do boom das commodities e da expansão de programas sociais, escondeu-se uma miopia estratégica e uma série de equívocos estruturais que, longe de pavimentar um caminho de desenvolvimento robusto, gestaram o embrião de uma crise socioeconômica sem precedentes e perpetuaram as vulnerabilidades crônicas do país.
A análise fria dos fatos e dos dados estatísticos revela que as políticas implementadas, embora tenham, de forma paliativa, aliviado a pobreza imediata, sacrificaram a resiliência econômica, a produtividade, a competitividade e, fundamentalmente, a capacidade de o Brasil superar sua intrínseca "pobreza mental" e a dependência da "mentalidade da escassez".
A prisão invisível: a pobreza mental e o contexto brasileiro
Para além dos indicadores de renda e consumo, a pobreza tem uma dimensão psicológica profunda. Viver sob escassez contínua e incerteza gera um "modo mental" de urgência que condiciona comportamentos e expectativas: decisões são tomadas no curto prazo, a tolerância ao risco é baixa e a capacidade de planejamento estratégico é severamente comprometida.
Os economistas austríacos Eugen von Boehm-Bawerk e Carl Menger elaboraram sobre o conceito de preferência temporal para descrever, em termos gerais, o gradiente decisório de curto e longo prazos: a alta preferência temporal é indicativa de decisões que descontam o futuro em benefício do presente, ou seja, priorizam o imediatismo; a baixa preferência temporal, por sua vez, caracteriza o desconto do presente em benefício do futuro, e é comumente observada em construções sociais, econômicas e políticas que planejam visando ao longo prazo.
Contemporaneamente, o economista jordaniano Saifedean Ammous argumenta, em seu Principles of Economics, que a baixa preferência temporal é indissociável da ideia de avanço civilizacional, já que a armadilha curto-prazista da alta preferência temporal impede que os agentes escapem às premências imediatistas da subsistência, e permaneçam, portanto, em um estado de privação material, cultural e intelectual.
Estudos em neurociência social indicam que o estresse financeiro crônico pode causar queda na capacidade cognitiva (em até 13 pontos de QI), afetando funções executivas como o controle de impulsos e o pensamento de longo prazo. No Brasil, essa "pobreza mental" não é uma falha individual, mas uma resposta adaptativa a um ambiente sistêmico de restrição e risco, que se torna ainda mais arraigado pela fragilidade das instituições e pela falta de perspectivas duradouras.
Este é o pano de fundo de um país que, com um índice de Gini – que varia de 0 (igualdade perfeita) a 100 (desigualdade extrema) – em torno de 53,4 pontos em 2025, figura entre os nove mais desiguais do mundo, ao lado de potências econômicas como República Centro-Africana, Zâmbia e Eswatini, anteriormente conhecida como Suazilândia.
A concentração de renda em terras tupiniquins é obscena: enquanto o 0,1% mais rico dobrou seus ganhos nos últimos três anos, os 95% mais pobres mal viram sua renda superar a inflação. A informalidade no mercado de trabalho, que atinge cerca de 40% da força de trabalho, significa milhões de pessoas sem proteção social, vivendo à mercê das flutuações econômicas.
A situação não para de piorar. Dados da Universidade Federal de Minas Gerais revelam que, entre dezembro de 2023 e agosto de 2025, o número de moradores de rua mais do que dobrou, saltando de 160 mil para 345 mil pessoas, um aumento de 116! Da mesma forma, Indicador de Inadimplência levantado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) aponta que 42,01% dos brasileiros adultos estavam negativados em março de 2025, o que representa mais de 69 milhões de consumidores, índice recorde que registra salto de quase 4% em relação ao já elevadíssimo índice anotado em março de 2024.
Esse ambiente de insegurança permanente como solo fértil para a perpetuação da "mentalidade da escassez" e para a primazia da alta preferência temporal, no âmbito das quais a energia mental é consumida pela sobrevivência diária, impedindo a visualização e a construção de um futuro melhor.
A ilusão do crescimento e a "nova matriz" que desmantelou o futuro e a psicologia coletiva
Os anos Lula-Dilma foram impulsionados por um vento favorável externo: o superciclo das commodities. O Brasil, grande exportador de matérias-primas, surfou na alta demanda global e nos preços inflacionados. Este cenário, no entanto, foi interpretado como um atestado de sucesso das políticas internas, e não como uma janela de oportunidade para profundas transformações. Em vez de capitalizar esses ganhos para diversificar a economia, modernizar a indústria e investir maciçamente em inovação, os governos optaram por uma estratégia baseada na expansão do consumo via transferências de renda e crédito subsidiado, acompanhada de um intervencionismo estatal crescente.
A chamada "nova matriz econômica" do governo Dilma Rousseff, que explicitamente flexibilizou o tripé macroeconômico (câmbio flutuante, metas fiscais e metas de inflação), não foi um projeto inovador, mas uma receita para o desastre. O controle artificial dos preços da energia, os subsídios generalizados, incluindo a política das empresas "campeãs nacionais", e a intervenção excessiva em setores estratégicos desvirtuaram a lógica de mercado e geraram distorções massivas.
A expansão descontrolada dos gastos públicos, sem as contrapartidas de reformas estruturais essenciais, corroeu a sustentabilidade fiscal. O resultado foi um déficit primário alarmante e uma dívida pública crescente, que lançaram o país à beira da insolvência, revertida na gestão Jair Bolsonaro, mas retomada desde 2023 com a mais absoluta irresponsabilidade fiscal sob a batuta da dupla Lula-Haddad.
Essa instabilidade macroeconômica, com a alternância brusca entre períodos de euforia e de crise fiscal e inflacionária, tem um impacto direto na "mentalidade da escassez". A imprevisibilidade econômica e a quebra de expectativas criam um ciclo vicioso de desconfiança e de foco no curto prazo. Um ambiente inflacionário, convém destacar, é um que não apenas fomenta como também premia comportamentos de alta preferência temporal, pois a desvalorização causada pelo aumento da massa monetária compromete o planejamento de longo prazo. Além disso, contextos inflacionários quase sempre são acompanhados de controle de capitais, e tais restrições afetam principalmente os estratos menos favorecidos da sociedade, que, sem meios de escapar à desvalorização da moeda, recorrem a expedientes curto-prazistas para viabilizar a própria sobrevivência.
Sobretudo, os beneficiários de programas sociais, embora amparados – ou melhor seria dizer, acorrentados – pelo aparato estatal, acabam por internalizar uma cultura de dependência ou de expectativa limitada, pois a ausência de um projeto de país coeso e a alternância de “esperança” e “crise” prolongam o ambiente psicológico de insegurança, dificultando a construção da autonomia.
Não é à toa, portanto, que, após 17 anos de governos do PT, cerca de 94 milhões de brasileiros, aproximadamente 43% da população brasileira, permaneçam completamente dependentes de algum tipo de auxílio estatal, como o vale-gás, o que evidentemente gera benefícios eleitorais e comprova a falta de compromissos dessas lideranças em promover uma mobilidade socioeconômica genuína.
A tragédia da produtividade, a estagnação educacional e a pobreza mental enraizada
Enquanto os holofotes se voltavam para a redução da pobreza extrema (que, é importante notar, foi em grande parte um efeito direto do crescimento do PIB via setores produtivos e não de políticas sociais assistencialistas), as fundações da economia brasileira se desmantelavam. A produtividade permaneceu estagnada. A participação do Brasil em cadeias globais de valor manteve-se restrita, sem qualquer salto tecnológico consistente, como já apontado em artigo de minha autoria aqui nesta mesma Gazeta. O baixo investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), um dado crucial que persistiu em patamares baixíssimos comparado a economias emergentes, e a pouca articulação entre universidades, transformadas em centros de doutrinação esquerdista, e empresas, condenaram o país a uma permanente posição de coadjuvante tecnológico.
Os dados educacionais são um espelho cruel dessa falha estrutural e um motor da pobreza mental. O Brasil continua vergonhosamente abaixo da média da OCDE no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) em leitura, matemática e ciências. Mais grave ainda: cerca de 70% dos alunos saem do ensino médio sem o domínio pleno de leitura e escrita, um índice que não apenas compromete a mobilidade social e a capacidade de competir no mercado de trabalho moderno, mas reforça a "pobreza mental" ao privar os jovens de ferramentas básicas para o pensamento crítico, a tomada de decisões informadas e o planejamento de longo prazo.
A ineficiência do gasto público é gritante: o país gasta mais que a média da OCDE com educação e saúde, mas entrega resultados pífios, evidenciando gestões que priorizaram o volume ao invés da qualidade e do impacto, falhando em libertar a mente de milhões.
O descaso com a infraestrutura e a carga tributária regressiva: reforços da fragilidade
A visão de longo prazo foi substituída pelo imediatismo eleitoral. O investimento em infraestrutura, crucial para a competitividade e o crescimento sustentável, permaneceu lamentavelmente baixo, em cerca de 2% do PIB, quando o mínimo seria acima de 4%. A falta de rodovias, portos, saneamento e energia eficientes sufoca o potencial produtivo e eleva os "custos Brasil", tornando qualquer tentativa de reindustrialização ou atração de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) em manufatura um desafio hercúleo. A ausência de um ambiente infraestrutural robusto contribui para a incerteza e a percepção de falta de oportunidade, alimentando o ciclo da pobreza mental.
A carga tributária – apesar dos arremedos de reforma realizados – além de ser uma das mais altas do mundo em relação ao PIB, manteve-se regressiva, penalizando o consumo e, portanto, os mais pobres, e aliviando a tributação sobre renda e patrimônio. A inação em promover uma reforma tributária justa e eficiente é uma das maiores omissões desses governos, perpetuando a desigualdade e minando a capacidade de investimento e poupança da população e das empresas. A percepção de um sistema injusto e de um Estado ineficiente fragiliza a confiança e o senso de pertencimento, pilares importantes para a superação da mentalidade de escassez.
A estrutura tributária brasileira penaliza também o investimento produtivo, já que o Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica (IRPJ) incide sobre o lucro corporativo independentemente de este ser reinvestido na própria empresa. A irracionalidade da tributação corporativa brasileira trata do mesmo modo, portanto, o lucro distribuído entre os acionistas e aquele reinvestido na ampliação do capital fixo.
Políticas sociais paliativas, não estruturantes, e o reforço da dependência
Embora programas como o Bolsa Família tenham tido um impacto positivo na redução da fome e da pobreza extrema no curto prazo, essas iniciativas atuaram, em sua essência, como paliativos, sem serem acompanhados de políticas robustas que gerassem mobilidade social sustentada e, crucialmente, uma mudança na mentalidade. A ausência de educação de qualidade que realmente capacitasse, de qualificação profissional alinhada às demandas do mercado e de um ambiente econômico que gerasse empregos formais e de maior valor agregado, deixou um legado de dependência e fragilidade. Em vez de empoderar para o futuro, muitas políticas apenas mitigaram o presente, mantendo o indivíduo preso à lógica de sobrevivência característica da alta preferência temporal.
Os escândalos de corrupção sistêmica (Mensalão, Petrolão), a instabilidade institucional e a corrosão da governabilidade política, especialmente no segundo mandato de Dilma, foram o epítome da falência de um modelo. A incapacidade de formar maiorias coesas e de enfrentar reformas impopulares, mas necessárias, revelou uma fragilidade política que se somou à debilidade econômica, aprofundando a percepção de caos e imprevisibilidade que alimenta a "pobreza mental".
Conclusão: a contundência de duas décadas perdidas – e a captura da mente
Os quase vinte anos sob as administrações de Lula e Dilma não se configura meramente como um período de falhas isoladas, mas como décadas perdidas para a transformação estrutural do Brasil. A oportunidade histórica de utilizar a bonança externa para edificar as bases de uma nação verdadeiramente desenvolvida foi tragicamente desperdiçada em favor de um modelo insustentável de crescimento via subsídios, consumo sem lastro e intervencionismo estatal.
O resultado é um país onde a pobreza mental e a mentalidade da escassez não são apenas sintomas da privação material, mas produtos de um arcabouço político-econômico que perpetuou a dependência, minou a produtividade e negligenciou o capital humano. O legado mais sombrio dessas gestões não reside apenas nos desequilíbrios fiscais ou na estagnação da produtividade – que, por si só, são graves –, mas na consolidação de uma cultura de improviso e de uma percepção de futuro limitado que ainda assombra a sociedade brasileira.
A "pobreza mental", a "mentalidade da escassez", a alta preferência temporal e a desigualdade estrutural não foram combatidas em suas raízes, mas, em grande medida, reforçadas por políticas que privilegiaram a aparência sobre a substância, o assistencialismo sobre a autonomia e o populismo sobre o planejamento estratégico.
Sob essa liderança anacrônica, um país com imenso potencial se mostra incapaz de dar o salto qualitativo que a sua gente merece e que a sua economia exige. É uma lição dolorosa sobre a imperiosa necessidade de reformas estruturais, de responsabilidade fiscal e de uma visão de longo prazo que priorize a produtividade, a educação de qualidade e a inovação como pilares de um desenvolvimento verdadeiramente sustentável e inclusivo. Só assim poderemos libertar não apenas os corpos da privação material, mas também as mentes da captura pela escassez crônica, permitindo que a ambição, a autonomia e o planejamento de futuro floresçam em toda a sociedade brasileira.
Somente assim, com a coragem de abraçar reformas estruturais profundas e uma visão de longo prazo inegociável, não factíveis sob o governo atual, o Brasil poderá finalmente transcender sua condição de eterno potencial e construir uma prosperidade que seja não apenas material, mas também intelectual e autonomizadora, libertando-se de uma vez por todas da armadilha do subdesenvolvimento.
Marcos Degaut é doutor em Segurança Internacional, pesquisador sênior na University of Central Florida (EUA), ex-secretário especial adjunto de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, ex-secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa e ex-secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior do Brasil (CAMEX).- Gazeta do Povo