
Querido e quase-supremo diário,
Quanto tempo, hein? Estava com saudades! Mas é que minha vida anda corrida demais. É um tal de viajar pra lá e pra cá. E eu ainda tenho que cuidar do Meu Marido e resolver os problemas do Brasil. Pior: sem ser devidamente reconhecida por isso. Mas prometo voltar a escrever aqui com mais regularidade. Juro! Até porque este diário um dia será tratado com a devida reverência de um verdadeiro documento histórico.
Pois então. Nem te conto, menino! Ou melhor, conto, sim. Sabia que Meu Marido está pensando em ME indicar ao STF? Foi o que ele me disse ontem, quando chegou em casa todo nervosinho e com aquele bafo que eu, você e o Brasil inteiro conhecemos, nem que seja de ouvir falar. “Essas feministas não têm mais o que fazer? Blá, blá, blá, mó, mó, mó [não prestei atenção]... vou indicar você pro Supremo”.
#QUEROJANJANOSTF
“Sério mesmo?!” perguntei, esfuziante como eu não ficava desde a condenação do Inominável. Mas Meu Marido já tinha pegado no sono. Enquanto isso, eu... Eu mal dormi, né?! E, pra garantir a indicação, acionei meus contatinhos. Já falo disso. Porque antes quero que você, diário, seja o primeiro a saber que aceito a indicação. C-L-A-R-O! Com o maior prazer e os melhores privilégios do funcionalismo público. Imagina só, euzinha ministra, com aquela toga lindona assim esvoaçando, a torre Eiffel ao fundo, o pôr-do-sol, um vinhozinho, a Constituição numa das mãos... Isso é o que eu chamo de cargo instagramável! #QUEROJANJANOSTF
Mas calma que nem tudo é festa nesta história. Afinal, vivemos num país machista, misógino e patriarcal e Meu Marido é daqueles que se desconstrói aos poucos, um xixi sentado por vez. Tanto que, como ia dizendo, passei a madrugada acionando a Tropa de Choque do Feminismo Ilustrado pra elas fazerem uma pressãozinha no Meu Marido. Vai que ele esquece ou muda de ideia! Até a Fernandinha Torres me ajudou. O que, pensando bem, nem é tão admirável assim. Depois de tudo o que eu fiz e faço por elas, elas têm mais é que me ajudar mesmo. Humpf.
Notório saber jurídico
Então. Além da Fernandinha Torres, outra que enjanjou (nota pra mim mesma: pedir pra a Miriam Leitão protocolar o verbo “enjanjar” na ABL) foi a Anitta. Mas não foram só as expoentes da altíssima cultura, não. As juristas Gabriela Priolli e Mariliz Pereira Jorge também enjanjaram e se engajaram na campanha. Se bem que tem umas, tipo a Zélia Duncan, que tá pedindo uma mulher negra no STF. Pô, aí me complica. Pra essas, só digo uma coisa: o que é teu tá guardado.
E eu sei, diário. Eu sei que vai ter extremista bolsonarista dizendo que é um absurdo, que não pode, que onde já se viu uma coisa dessas, nem formada em Direito ela é. Não sou mesmo! Mas sou formada em Esquerdo, com pós-graduação em Agito Social – o que é muito melhor. Gente, eu casei com o Lula. Tem noção do meu envolvimento com a causa? No mais, esse negócio de notório saber jurídico aí é supervalorizado. Pra que é que eu preciso conhecer a Constituição se eu vou decidir de acordo com aquilo que o Partido acha o certo? Dã.
Copresidenta
Outra coisa, né? Se alguém questionar a minha reputação ilibada eu processo! Ainda mais agora que o Meu Marido me deu acesso a todos os funcionários da Presidência. Ai, que dó. Eu falo assim e parece que eu tô feliz com meu hómi. A imprensa diz que eu tô feliz. Mas, cá entre nós, diário: eu fico chateada. É triste ver o homem da gente, e ainda mais o Lula, aquele cara que enfrentou a prisão e a tortura nos porões da Lava Jato, que liderou bilhões de metalúrgicos em greves históricas, que enfrentou o preconceito da Zelite, que acabou com a fome no Brasil, enfim, aquele que já foi chamado de o cara (“the face”) pelo Obama se deixar manipular tanto assim por uma mulher. No caso, eu mesma.
Mas o que é que eu estou falando? Viu como nós, mulheres, nos colocamos pra baixo? Sintoma da mentalidade patriarcal que ainda vigora no país. Eu preciso mudar isso urgentemente. De ofício. Igualzinho o Alexandre de Moraes tá mudando a nossa democracia. E tem outra: meu psicanalista mesmo insiste em dizer que eu vivo cometendo gafes porque me autossaboto. Será que ele é fascista? [Nota pra mim mesma: trocar de psicanalista]. A partir de hoje, então, chega de autossabotagem!
Primeira dama, copresidenta e ministra do STF
(Nah, ele é esquerdomacho demais pra ser fascista). Mas onde é que eu estava mesmo? Ah, sim. Autossabotagem. Como se eu não tivesse o direito de ser primeira dama, copresidenta e ministra do STF, tudo ao mesmo tempo, junto & misturado. Tenho, sim. Afinal, fiz muitos sacrifícios pra chegar onde cheguei. Sacrifícios que só você conhece, diário que por enquanto é comum e ordinário, escrito nesse papelzinho de pobre com a BIC que a Michelle esqueceu no criado-mudo aqui do Alvorada, mas que muito em breve será escrito em folhas de ouro com a Montblanc que eu ganhei do Macron. E será, enfim, o que merece: supremo.
Ah, e antes que eu me esqueça: imagina só a cara da Gleisi quando ler esta notícia na Mônica Bergamo? Vai ser mara.
Paulo Polzonoff Jr.
Paulo Polzonoff Jr. é jornalista, tradutor e escritor. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.